A primeira vez que vi Miguel Arraes, de perto, foi na casa do eterno senador Ivandro Cunha Lima, em Campina Grande.
Antes, limitava-me às visões de menino de calça curta pelas ruas do Recife, contemplando à distância, o destemor daquele intrépido orador, incendiando as massas com seus inflamáveis discursos.
Era março de 1984 e todo esquadrão avançado da resistência ao regime militar estava em Campina Grande para o grande comício das “Diretas-Já”.
Franco Montoro, Ulysses Guimarães, José Richa, Iris Rezende, dentre outros, incluindo-se os “guerreiros da terra”.
Na casa de Ivandro, tinha acabado de entrevistar Celso Furtado, de quem recolhera uma aula sobre a necessidade de se impor uma nova ordem econômica ao País, quando, embevecido, fiquei a contemplar aquela figura miúda atraindo a atenção de todos, na sala principal.
“Encapado” num paletó de linho bege e com as inseparáveis alpercatas, com um copo de uísque na mão e um charuto na outra, Arraes relatava, com minúcias, sua resistência à rotina de preso político, em Fernando Noronha, e os rigores de um exilado na Argélia, posteriormente.
Agora, estava ali, entrincheirado na luta pela redemocratização do País, com a mesma energia. Já havia dado a senha no desembarque de retorno do exílio, invocando o poeta Drumond, ao dizer que era um homem “marcado pelas duas mãos e todo sentimento do mundo”.
Embevecido a contemplar o mito da minha infância, ignorei os detalhes da coreografia do sobe e desce do copo, priorizando o depoimento histórico. Sai do êxtase quando, ao meu ouvido, Roberto Cunha Lima cochichou:
– Êita comunista prá beber!
Foi aí que me dei conta que Arraes já abria o segundo litro de Chivas do dia.
No que fazia muito bem.
À noite, o comício foi um sucesso! Arraes mandou bala no palanque, sem que o Chivas criasse qualquer embaraço à luta pela redemocratização.